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8 anos 3 meses atrás#53por tereza

O REALISMO DE FLAUBERT EM MADAME BOVARY

Murilo Moreira Veras

Gustave Flaubert é um dos principais escritores pós-iluminismo e seu romance MADAME BOVARY considerado obra-prima. É o livro que vamos discutir proximamente no CLUBE DO LIVRO.
Para melhor compreensão deste miniensaio, dividi-lo-emos nos tópicos a seguir:

1. O Livro, a Trama, o Desenrolar

Gustave Flaubert (1821-1880) publicou Madame Bovary primeiro no folhetim Revue de Paris em 1856, edição interrompida imputada de “imoral” e o autor processado. Um ano depois, já liberada e Flaubert inocentado, a obra foi publicada. A repercussão foi enorme. E esse o real objetivo do autor que com essa obra ousava atacar o romantismo, gênero literário então vigorante na França e fora dela. Ora, ele mesmo fruto desse mesmo romantismo, sua escritura ainda com laivos dos artifícios românticos, apesar de seus esforços deles se desvencilhar. A trama, o enredo, não é absolutamente original, a maneira de desenvolver a história é que pode ser diferente, à custa de sua sofisticação estilística. Fala-se que ele reescrevia muitas vezes o que escrevia, às vezes corria às pressas á tipografia para corrigir ou modificar determinada palavra ou texto, o livro já na impressão.

Flaubert criou a história da vida de um casal Charles e Emma, vivendo em duas aldeias francesas: primeiro Tostes, depois Yonville d’Abbay Charles Bovary – cujo pai, Charles-Nenis-Bartholomé Bovary, casara-se pelo dote de 60.000 francos – formou-se em medicina, ele rapaz interiorano, sem nenhuma convivência citadina, ou seja, parisiense. Falecida sua primeira esposa, casa-se em segundas núpcias com Emma Rouault. Vai praticar medicina como agente na aldeia de Tostes. Depois, muda-se para Yonvilles. Acontece que Emma, sua mulher, casou-se com ele por imposição do pai que devia a cura da perna ao Dr. Charles, a quem tinha grande afeição. Apesar de morar na província, Emma tivera uma educação esmerada, frequentou convento e teve todos os requisitos culturais exigíveis à época, poia era filha única. Tocava piano e vestia-se com certo refinamento. No convento ( e qui se percebe o anticlericarismo do autor) Emma recebia instrução relgiosa e chegou a ter imensa devoção à fé, nas imagens, no Cristo Crucificado, em Nossa Senhora e todos os santos da Igreja Católica. Mas foi também no Convento, através de outras estudantes, às escondidas, que começou a ler livros supostamente proibidos. Eram romances de amor, aventuras cavalherescas, herois e mulheres apaixonadas, que ela os lia com sofreguidão. Essas leituras influenciaram profundamente o caráter da Emma adolescente, transformando-a numa jovem excessivamente romântica, a ver a realidade com olhos desvirtuados, sonhando com castelos, homens apaixonados, lutas de mancebos por amor – livros ultraromânticos e históricos, como Atala de Chateaubriand e Ivanhoe de Walter Scott e afins.

Ora, ao casar-se com um médico de província, que não lhe podia oferecer aquilo com que sonhara, senão uma vida pachorrenta e medíocre, trabalhos domésticos, talvez ter uma prole, nada de bailes, sofisticação, atos e fatos estapafúrdios como ansiara. Com modos e atitudes de pequeno burguês, sem nenhum traquejo em lidar com a ansiedade feminina, Charles, o marido de uma mulher com sonhos sofisticados, não conseguia satisfazer a mulher, cada vez mais desapontada, a ponto de repudiá-lo. As coisas estão nesse pé, quando o casal recebe convite para um baile no palácio de certo figurão. Lá, ela participa de bailes e banquetes colossais que só fazem espicaçar-lhe a vontade de abandonar tudo e partir para outro destino.

Na volta, conhece proprietário de palacete que mora nas vizinhanças, rapaz garboso, rico, com cavalos magníficos e vida mundana. Ele acaba seduzindo-a e têm com ele uma paixão violenta. Prometem fugir, mas o rapaz cuja paixão por ela já começa a arrefecer, desaparece, escafede, deixando-a totalmente arrazada. Fica doente, não atende mais os interesses da casa. Sequer cuida da filha, recem-nascida, que entrega à ama. O marido não imagina o que ela tem, procura satisfazê-la, contrata até aulas de piano em outra cidade, Rouen. Mas, eis que lá se encontra com ex-apaixonado seu, León, escrivão e estudante de direito. Novamente vive outra paixão violenta, esta até pior do que a primeira com Rodophe. Passa a enganar o marido de todas as formas, mentindo que vai para aulas de piano, mas na verdade vai se encontrar com o amante em hotel. Enquanto isso, se endivida comprando tecidos, roupas, utensilos, joias e presentes aos amantes que o Sr.Lhereux lhe vende, mediante promissórias, a juros exorbitantes, sem o conhecimento do marido. Vende inclusive por procuração propriedade da família de Charles e tudo se esvai nas mãos do astucioso mascote. Então, Lhereux executa as promissórias, Emma entra num verdadeiro furacão, não tem como pagar, o processo vai aos tribunais e ela é chamada a juízo, se não pagar em 24 horas, é feita o sequestro dos bens de Bovary, tudo à revelia do desatento marido. Sem saída, recorre aos amantes, León, que não tem dinheiro, Rodolphe também, alega está em dificuldades financeiras. Como louca, vai à casa do tabelião, responsável pela execução, Sr. Guillaumin e este exige que ela se entregue a ele. Fora de si, folha seca, sem a quem acudir, vai a casa do boticário, consegue as chaves da dispensa de remédio com Justin, seu empregado – pega o frasco de arsênio e se envenena.

Sucede a morte, narrada de forma a mais violenta possível. O marido fica arrazado, não se conforma. Louco e sem entender o motivo de tanta desgraça tem um ataque e falece, também. E o romance acaba com a vida voltando ao normal para os protagonistas: Justin, arrependido, frequentando o cemitério; o vigário com seus afazeres na paróquia e o boticário, este cada vez mais pretencioso e segundo as próprias palavras do autor “... Acabam de condercorá-lo com a cruz de honra.”



2. À Guisa de Crítica Literária



O realismo foi um movimento literário e também filosófico pós iluminismo que se espalhou pelo mundo ocidental, com o propósito de superar o romantismo – de Byron, Shelley, Goethe e outras estrelas desse desbragamento literário. Gustave Flaubert e outros supostos antirromânticos, Emile Zola, Honoré de Balzac, Tolstoi, Charles Dickens assomam nas letras como arrietes para acabar com o desvairamento romântico. Muitos desses escritores não conseguem se desvencilhar das armadilhas românticas e se perdem, por exemplo, no detalhismo, na insensibilidde, na sofreguidão de assmir a realidade, e acabam desfigurando-a. É o caso de Flaubert e seu mestre Balzac, na França. Tolstoi na Russia e Dickens, na Inglaterra.

O tout force da obra do minucioso Flaubert é seu afã de extrair o máximo de realismo na sua escrita, tirar leite de pedra, com que porfia com o naturalismo exagerado de Émile Zola – o naturalismo nascente, também contra o romantismo. Vladimir Nobokov, como crítico literário, claissificou este romance...”impecável mágica de estilo”, enquanto William Falkner ”... o melhor romance já escrito”.

Examinemos mais de perto essas afirmações sob nossa ótica. Em estilo, Flaubert é tido como o máximo. Inobstante, alguns de suas descrições são repetitivas – verificável à pag. 265, quando escreve: “... massas de sombras cobriam as folhagens”, passagem encontrada em vários outros textos. A repetição não parece fazer jus a uma tão decantada “obra prima”. Tal repetição se deve ao detalhismo do autor em todo o romance, tornando a leitura cansativa. Aliás, é um artifício utilizado por todos os chamados “realistas” como León Tolstoi e o próprio Emile Zola. É quase impossível você acompanhar as descrições infindas do romance “Guerra e Paz”, de Tolstoi. Flaubert comete o mesmo “defeito”. Observe-se a descriçaõ que faz das vilas, o evento da feira agrícola e principalmente o episódio do baile no castelo de La Vaubyessard, casa do Marquê d’Andervillier, ex-secretário de Estado das monarquias dos Luises, baile onde Madame Bovary fez sua estreia na corte.

Flaubert é tão minucioso no adultério de Emma que é não difícil descobrir em seu comportamento vários sinais de que era atacada repentinamente de “uteri furor” (furor interino). Veja-se, por exemplo, à página 356: “... Quando sentia vontade de ver León (seu segundo amante), partia e não que pretexto, e, como ele não a esperava naquele dia, ia buscá-lo no cartório.” E mais adiante, à página 362: “... Ela despia-se brutalmente, arrancando o fino cordão de seu corpete, que assobiava ao redor de seus quadrís como uma cobra a deslizar. Ela ia, na ponta dos pés nus, olhar mais uma vez se a porta estava fechada, depois fazia com um só gesto cair todas as suas roupas – e pálida, sem falar, séria, abatia-se contra o peito dele, estremecendo longamente.” O mesmo que acontecia às cortesãs célebres, como Valéria Messalina, a mulher mais poderosa de Roma; Cleópatra, que teve se primeiro amante aos 12 anos e seduziu tanto Júlio Cesa quanto seu títere Marco Antônio, e ainda mantinha templo com jovens para satisfazer seus desejo sensuais; Paulina Bonaparte, irmã de Napoleão; Catarina, a Grande, que dizia praticar sexo seis vezes ao dia e tinha um harém com 21 amantes oficiais; e Mata Hari, holandesa à época da 1ª Grande Guerra, tida como espíã dupla, que tinha amantes de ambos os lados, alemãos e franceses, acusada foi fusilada em 1917.

Flaubert queria provar que o romantismo não passava de uma manifestação de loucura na literatura. Então, encarnou Emma como representante dessa loucura, e não havia maior loucura do que uma mulher casada cometer adultério por insatisfação sexual extrema – e com uteri furor . O romantismo se acometera de furor literário, desbragamento das letras, portanto deveria ser superado pelo seu reverso, espécie de escritura materialista, para acompanhar o naturalismo, ambos influenciados pelo cientificismo nascente, pos iluminista. E assim tornou-se o embrião do que voga hoje na literatura: o veracismo.

Observe-se que Flaubert pode ter se inspirado em Cervantes, Emma atacada da mesma loucura sofrida pelo “Cavaleiros da Triste Figura”, Dom Quixote. Tudo para inquinar de loucura o romantismo. Emma era, como Dom Quixote, uma sonhadora, uma irrealista. Mas Cervantes não é Flaubert, seu personagem é um crítico da própria civilização, dos costumes, crítica essa que se expande como uma semeadura do espírito, que iria influenciar toda a literatura das gerações seguintes. Dom Quixote é um épico; Madame Bovary é um mito sexual, encarnando o furor do realismo nas letras.

Ora, o audacioso escritor que teve sua obra máxima confrontada pela justiça, depois inocentado, igualou-se a outros autores com sua galeria de mulheres “adúlteras”. Temos “Kitty – o Véu Pintado”, de Somerset Maugham, cuja personagem trai o marido e depois confessa; Genoveva, que teria traído o Rei Arthur com seu maior guerreito Lancelote; Francisca de Rimini, a mulher pega em flagrante com o irmão de seu marido e castigada por Dante, na Divina Comédia; Margarida de “O Maestro e Margarida”, esposa que trai o marido com um maestro – e fica louca, o autor: Mikahail Bulgakov; Helena, da Iliáda de Homero, que trai o marido com Páris, acarretando a famigerada Guerra de Troia; Hester, personagem de “A Letra Escarlate”, de Nathaniel Hawthorme, adúltera punida com a forca nos primevos dos Estados Unidos fundamentalista; Dona Flor, personagem de Jorge Amado, com seus dois maridos, um vivo e outro morto; Connie Chatterley, em “O Amante de Lady Chaterley”, de D.H. Lawrence, que trai o marido com um trabalhador braçal movida apenas pela “atração sexual”; “Tesse de Urbervilles” (1891), obra de Thomas Hardy, uma mulher na era vitoriana, seduzada e depois abandonada pelo amante, que o marido repudia e acaba enforcada em prça pública.

Flaubert de sua vez não pode deixar impune o Romantismo, embora ele, escritor, seja fruto desse mesmo romantismo. Assim, ele castiga sua personagem, a romântica sonhadora e infiel Emma. E como se vê da sequêcia de adúlteras nas letras, todas severamente punidas, Flaubert, mais realista que o próprio rei, impinge à sua personagem fim brutal. Nada de vingança do marido, um bovariano, medíocre, provinciano, imbecilizado e insensível à realidade dos fatos: Emma Bovary é praticamente trucidada pelos próprios amantes, pela sociedade, pela estupidez, pela esperteza de alguns de seus algozes (os personagens Lhereux e Guillaumin), sua única saída é recorrer ao suicídio, por arsênico, que a leva a sofrer como Cristo na cruz – Cristo esse ironizado pelo autor na pessoa do boticário Homais e mediocremente defendido pelo vigário, Sr.Bornisien.

Enfim, desce a cortina. E a vida vai continuar, como se nada houvesse acontecido – é assim o mundo materialista do super realista Gustave Flaubert. Proclamou, nas letras, a irrealidade do próprio realismo.

Bsb, 27.01.16


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